Volatilidade das políticas e desempenho econômico

Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 1o de novembro de 2002 (página A12).

A retomada do crescimento tem sido um dos principais temas da atual campanha presidencial. É um assunto importante e complexo. Contudo, por vezes tem-se a impressão de se estar assistindo a um “leilão” de taxas de crescimento para os próximos anos: 4%, 5%, 7%…  Infelizmente, as experiências brasileira e internacional indicam que manter taxas elevadas de crescimento do PIB per capita durante vários anos é tarefa bastante difícil. Poucos países conseguem manter taxas médias de crescimento do PIB per capita acima de 5% durante longos períodos.

Bem mais fácil é gerar aumentos transitórios no nível de atividade econômica. A história brasileira e internacional é rica em exemplos de programas econômicos criativos, mas insustentáveis, que provocaram aumentos temporários no nível de atividade, seguidos por anos de baixo crescimento durante os quais se pagou a conta dos erros cometidos.

O gráfico mostra as taxas anuais de variação do PIB per capita brasileiro ao longo do século XX. Diversos episódios da nossa história econômica são facilmente identificáveis: a crise de 29, o “milagre” dos anos 70, a desaceleração que sucedeu o plano Cruzado, o plano Collor, etc. O gráfico sugere que alguns períodos foram bem mais favoráveis do que outros, no sentido que as taxas de crescimento foram, em média, mais elevadas e menos voláteis.

As duas curvas adicionais no gráfico ajudam a checar se essa impressão visual é correta. A linha vermelha indica a taxa de variação média do PIB per capita em cada uma das décadas do século. A linha azul apresenta uma medida da variabilidade dessas taxas, seu coeficiente de variação. Embora a divisão por décadas seja arbitrária, o gráfico ressalta que períodos de alta variabilidade nas taxas de crescimento tendem a estar associados a períodos de baixas taxas de crescimento médio do PIB per capita. Note, em particular, a queda na taxa média de crescimento e o aumento na variabilidade das taxas ao longo das décadas de 1980 e 1990.

Parte da volatilidade observada no gráfico é inevitável. Em certa medida, ciclos econômicos são eventos como sol, chuva, frio e calor. O melhor que se pode fazer é conviver bem com eles. Até porque os economistas não possuem nenhuma receita mágica para impedir a ocorrência desses ciclos.

Parte da volatilidade, entretanto, é possivelmente devida às mudanças abruptas de política econômica que se tornaram corriqueiras no Brasil. Um bom exemplo disso é o plano Collor. Em 1990 o PIB per capita apresentou a terceira maior queda (em termos percentuais) do século.

Análise bem mais sofisticada do que a desenvolvida neste texto é necessária para que se possa atribuir a performance medíocre da economia brasileira nos últimos vinte anos aos planos heterodoxos. Contudo, a menos de uma improvável coincidência, a abundância de planos mirabolantes nas décadas de 80 e 90 deve ter contribuído para a estagnação econômica.

O Banco Mundial divulgou recentemente um estudo que ajuda a analisar essa questão. O trabalho avalia o quanto o ambiente econômico, político e institucional é favorável ou prejudicial à atividade econômica. Dentre os diversos itens abordados, o que nos interessa mais de perto diz respeito à previsibilidade das políticas econômicas e financeiras e das regras, leis e regulamentos. Foi perguntado a um conjunto de empresas em todo o mundo em que medida elas consideravam que alterações nas políticas e nas regras econômicas eram previsíveis. As respostas incluíam seis diferentes níveis de previsibilidade, indo de “completamente previsíveis” a “completamente imprevisíveis”. Note que as perguntas dizem respeito à previsibilidade das mudanças e não à sua presença ou ausência.

Vejamos as respostas relativas aos dois níveis mais elevados de imprevisibilidade. No Brasil, 41% das firmas consideram as mudanças nas políticas e regras econômicas “completamente” ou “altamente” imprevisíveis. Esse número cai para 28% na América Latina/Caribe e apenas 15% na OCDE. Em que pese a imprecisão das estimativas, as diferenças chamam a atenção.

Falta de previsibilidade nas regras e políticas não é um dado da natureza, como o sol ou a chuva. Aparentemente, a imprevisibilidade das regras do jogo, as mudanças drásticas e recorrentes nas políticas econômicas e a sucessão de “pacotes” econômicos miraculosos tem cobrado um alto preço em termos do crescimento brasileiro. Talvez uma importante contribuição que o próximo governo possa fazer na área de crescimento é criar condições para que o cenário econômico em 2007 não seja tão dependente do candidato vitorioso nas eleições presidenciais de 2006.


Alexandre B. Cunha
Professor do Ibmec Rio.

Antonio Fiorencio
Professor do Ibmec Rio e da UFF.