Artigo publicado, sob o título Sem Justificativa Social, no jornal O Estado de São Paulo em 20 de agosto de 1994 (página B2).
Recentemente, com a implementação do Plano Real, ocorreu uma valorização da moeda nacional frente ao dólar. Este acontecimento tornou ainda mais viva a discussão do problema da defasagem cambial. O presente artigo aborda alguns aspectos dessa questão. Todavia, antes de discorrer sobre o assunto, seria de grande interesse que se deixasse bem claro aos leitores a essência de tal problema.
Tome-se o exemplo de um exportador de arroz. Imagine agora que o preço da saca desse bem no mercado internacional é igual a U$100. Se um dólar for cotado internamente a um real, cada saca vendida por aquele empresário gerará uma receita de R$100.
Naturalmente, quanto maior for o preço do dólar em reais (ou seja, a taxa de câmbio) maior será a receita do exportador. Da mesma forma, quanto menor for a taxa de câmbio, menor o seu lucro.
Contudo, a taxa de câmbio não é o único fator determinante dos ganhos dos exportadores. Seus custos de produção (como salários e tarifas públicas) e o próprio preço do bem no mercado internacional também são relevantes à determinação dos lucros daqueles que exportam.
Ao ajustar-se a taxa de câmbio aos preços externos e aos custos de produção, tem-se o que os economistas chamam de taxa real de câmbio. Em outras palavras, o câmbio real incorpora não apenas a taxa de câmbio, mas também outros fatores determinantes da lucratividade dos exportadores. Diz-se que ocorre uma defasagem cambial quando a taxa real de câmbio decresce.
Surge agora a seguinte questão: caso seja possível (e realmente não o é) mensurá-la de forma não arbitrária, a quem cabe a tarefa de corrigir a defasagem cambial? No caso brasileiro, via de regra, essa responsabilidade foi atribuída ao governo. Coube a essa instituição sustentar a taxa real de câmbio comprando dólares no mercado cambial.
Um dos problemas dessa atribuição pública consiste no fato dela não possuir qualquer justificativa econômica ou social razoável. Na verdade, qualquer política de sustentação do câmbio implica o governo taxar o restante da sociedade para subsidiar o setor exportador.
Em uma nação rica, isto já seria difícil de justificar. Sendo o Brasil tão repleto de carências, ainda mais injusta e odiosa será qualquer ação estatal que busque garantir a lucratividade dos exportadores.
No atual contexto, o melhor que se pode fazer para proteger as exportações consiste em liberalizar ao máximo as importações – em especial nos setores de informática e bens de capital.
Por mais paradoxal que possa parecer, a proposta acima é facilmente justificável. O crescimento das importações traria grande benefícios ao país. Em especial, contribuiria à modernização da economia nacional, gerando reduções nos custos dos exportadores – o que equivale a um crescimento na taxa real de câmbio. Por outro lado, aumentaria a demanda interna pelo dólar, induzindo uma valorização dessa moeda frente ao real.
Vale ressaltar que a política governamental de proteção da taxa real de câmbio, iniciada em meados de 91 e abandonada com o Plano Real, teve graves conseqüências para a sociedade brasileira.
Face à inexistência de recursos fiscais para financiar a compra de dólares, o Banco Central os adquiriu emitindo cruzeiros reais, o que gerou o descontrole monetário nos três últimos anos. Em síntese, o país viveu sob o jugo da inflação nesse período recente apenas por ter nosso governo julgado justo proteger os lucros dos exportadores.
Alexandre Barros da Cunha
Professor da Universidade Santa Úrsula e da PUC-Rio.