Política cambial: que fazer?

Artigo publicado na revista Conjuntura Econômica em abril de 1995 (páginas 6-7).

A eclosão da crise mexicana conduziu a política cambial à condição de principal tema do debate macroeconômico no Brasil. Teme-se a ocorrência de fatos semelhantes no país. Apesar da relutância inicial dos integrantes da equipe econômica, o governo terminou por ser obrigado em efetuar correções de rumo na política cambial.

Desde a adoção do real, exceto por intervenções esporádicas, o Banco Central não tem comprado e/ou vendido dólares. Ou seja, o Brasil vive em um regime semelhante ao dirty floating. Em decorrência, o saldo total do balanço de pagamentos será aproximadamente nulo.

A política monetária determina o fluxo de capitais. Como as intervenções do Banco Central no mercado de câmbio tem sido pontuais, fixada a taxa de juros interna, determinam-se simultaneamente saldo de capitais e em conta-corrente. Em outras palavras, dada a taxa de juros, a taxa de câmbio assumirá o valor necessário ao equilíbrio do mercado cambial.

A idéia de que o governo deveria gerar uma desvalorização do real além daquela determinada pelas forças de mercado equivale ao abandono do atual regime cambial. A taxa de câmbio é um preço como outro qualquer. Assim, existe uma única maneira de aumentar a cotação do dólar: gerar um excesso de demanda por essa moeda. O Banco Central passaria a comprar dólares, fazendo a taxa de câmbio crescer.

A adoção dessa proposta implicaria a expansão de oferta monetária e/ou dívida pública, pois o Banco Central seria obrigado a emitir moeda para adquirir dólares. Posteriormente, os reais adicionais poderiam ou não ser retirados de circulação através de operações de mercado aberto.

Não é difícil concluir que a proposta do governo induzir uma desvalorização cambial é extremamente arriscada. Ocorreriam efeitos monetários e/ou fiscais adversos. Em uma situação limite, tal medida poderia significar o naufrágio do Plano Real.

Aventou-se a possibilidade de induzir um crescimento no saldo em conta-corrente através da redução da absorção interna. Mais especificamente, contrair-se-ia o deficit público. Porém, a curto prazo não há forma de praticar uma política fiscal mais restritiva do que aquela praticada até o presente momento. Uma melhora significativa nas contas públicas depende da reforma constitucional. Ou seja, essa proposta é tão ingênua como receitar congelamento de preços para combater a inflação.

Alguns economistas defendem um decréscimo nas taxas de juros com intuito de incrementar o saldo em conta corrente, pois desse modo se reduziria o fluxo de capitais externos. Logo, o saldo em conta-corrente necessariamente se expandiria.

Seria um equívoco grosseiro reduzir de forma significativa a taxa real de juros. A demanda agregada cresceria, com repercussões sobre os índices inflacionários. Ocorreria ainda a monetização de parte da dívida pública. Adotar essa proposta significaria o fracasso do Plano Real em questão de meses.

O governo poderia restringir o ingresso de capitais de curto prazo. Da mesma forma que uma redução na taxa de juros, tal medida faria com que o saldo em conta-corrente crescesse.

Existem vários argumentos contra o controle de capitais. Para os objetivos do presente ensaio, basta mostrar a sua inconsistência lógica. Temem-se as conseqüências de uma possível queda no fluxo de capitais. Qual é o principal efeito do controle de capitais? Pura e simplesmente antecipar aquela queda. Em outras palavras, a restrição aos capitais externos tem como conseqüência justamente aquilo que se deseja evitar.

Por fim, têm sido aventados diversos incentivos à exportação e restrições adicionais à importação. A recente ampliação do prazo máximo para as operações de ACC pertence a esse elenco de medidas.

Tais medidas afetam o fluxo de comércio. Entretanto, ao contrário da crença popular, seus efeitos sobre o saldo em conta-corrente são nulos a longo prazo. Já que o saldo em conta-corrente é determinado pela política monetária, ele não será afetado por esse tipo de medidas.

Ilustrando o raciocínio acima, tome-se como exemplo a questão do ACC. Ao permitir que essas operações fossem contratadas por prazos maiores, o governo alardeou estar atento à imperiosidade de elevar o saldo comercial. Contudo, essa medida expandiu a oferta de dólares, valorizando ainda mais o real. Isso deteminará o crescimento de importações de bens e serviços e renda líqüida enviada ao exterior. A soma dessas variáveis crescerá exatamente o mesmo montante que as exportações de bens e serviços, pois o saldo em conta-corrente está determinado pela política monetária.

A principal lição a ser extraída dessa argumentação pode ser resumida da seguinte forma: é muito fácil gerar uma crise cambial; porém, se ela já tiver sido determinada pelos agentes econômicos nenhuma ação governamental impedirá sua ocorrência. A desvalorização moeda nacional tão somente refletirá o empobrecimento, decorrente da redução do fluxo de capitais externos, do país.

Respondendo finalmente à pergunta que serviu de título a este ensaio, não há alternativa. É indispensável permitir ao mercado determinar o novo patamar do câmbio – pois o Banco Central chegou a vender dólares para evitar a desvalorização do real – e acelerar reforma constitucional e privatizações, pois se o país vier a ser assolado por uma crise cambial, será fundamental à continuidade do processo de estabilização que o Plano Real esteja assentado em bases mais sólidas que as atuais. No mais, resta torcer para que se não repitam aqui os episódios verificados no México.


Alexandre Barros da Cunha
Professor da Universidade Santa Úrsula e da PUC-Rio.