Podemos sacrificar estabilidade por crescimento?

Artigo publicado, sob o título Estabilidade x crescimento, no jornal O Globo em 27 fevereiro de 2002 (página 7).

Em 1958 o economista inglês Alban Phillips publicou um trabalho sobre inflação e atividade econômica. Ele mostrou que no período 1862-1957 existira uma relação negativa entre desemprego e inflação no Reino Unido. Ou seja, um acréscimo na inflação era, via de regra, acompanhado por uma queda na taxa de desemprego naquele país.

O trabalho de Phillips tinha uma limitação que dificultava a aplicação de suas descobertas para fins de política econômica. Ele não forneceu qualquer explicação teórica para as suas descobertas. Estudo do economista Richard Lipsey supriu tal lacuna em 1960. A crença de que a inflação poderia estimular o PIB (o qual é uma medida de atividade econômica) se disseminou entre os economistas.

Em meados da década de 60, a antes unânime crença começou a ser posta em dúvida. Em 1968 o economista Milton Friedman argumentou que os benefícios de uma política inflacionária seriam transitórios. Tão logo os agentes econômicos (ou seja, trabalhadores, empresários, etc…) percebessem que o governo estava lançando mão da inflação, o estímulo desta sobre a atividade econômica deixaria de existir.

Em pesquisa publicada em 1972 Robert Lucas levou o argumento de Friedman um passo à frente. Lucas mostrou que os possíveis estímulos de políticas inflacionárias à atividade econômica poderiam não existir mesmo transitoriamente (a despeito de inflação e PIB serem, historicamente, relacionadas de forma positiva). Uma das razões que determinou a concessão do Prêmio Nobel de economia de 1995 a Lucas foi justamente o trabalho em questão.

A idéia de que a inflação pode ser utilizada para estimular o PIB foi abandonada pelos governos americano e europeus. Essa desistência foi devida aos avanços teóricos e à experiência americana nas décadas de 60 e 70. A incessante tentativa de elevar o PIB à custa de mais inflação não foi bem sucedida. O único resultado persistente foi o crescimento das taxas de inflação.

A relação entre inflação e atividade econômica é alvo de recorrente debate no Brasil. Contudo, antes de se debater se o país deve utilizar a inflação para estimular o crescimento, dever-se-ia estar absolutamente certo que é factível usar a inflação para esse fim.

O debate “estabilidade versus desenvolvimento” não dá a devida atenção aos últimos avanços científicos sobre a questão. Não existe, no campo teórico, nada que indique que elevar os níveis de inflação possa gerar permanentes acréscimos no PIB e/ou quedas na taxa de desemprego. Mais ainda: a discussão não é fundamentada em cuidadosa observação dos dados brasileiros. Nunca se apresentou evidência conclusiva, para o caso brasileiro, de que acréscimos na inflação foram regularmente acompanhados por crescimentos do PIB. Na verdade, os dados disponíveis apontam para o lado oposto.

Os autores deste artigo estudaram o comportamento da inflação e do PIB no Brasil para o período de 1850 até 2000. Obtiveram-se evidências de que a inflação se relaciona de forma tênue, mas negativa, com a atividade econômica. Ao longo da história brasileira uma elevação da inflação teve impactos pequenos, mas negativos, sobre o PIB. Tal resultado é extremamente robusto. Ele não depende das diversas técnicas estatísticas adotadas ao longo do trabalho e não se altera mesmo que o estudo se restrinja a subintervalos de 1850-2000.

A discussão dos benefícios de se aceitar “um pouco mais de inflação” em troca de “maior crescimento” é um exercício que não leva em conta a evidência estatística. A experiência histórica sugere que a sociedade brasileira não tem esta opção. Mesmo que desejássemos, provavelmente não poderíamos sacrificar estabilidade por crescimento.


Eurilton Araújo
Ph.D. em Economia pela Universidade Northwestern e professor do Ibmec Rio.

Alexandre B. Cunha
Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor do Ibmec Rio.