Os impactos da elevação da taxa de juros americana na economia brasileira

Artigo publicado no website da Agência Estado em 8 de julho de 2004.

No dia 30 de Junho, o Federal Reserve (o Banco Central americano) aumentou a taxa dos Fed Funds, a qual baliza as demais taxas de juros de curto e longo prazo nos Estados Unidos, de 1% para 1,25% ao ano. Serão analisados, neste texto, os impactos desse evento sobre a economia brasileira. Particularmente, enfatizar-se-ão as conseqüências sobre o mercado financeiro, o mercado de câmbio, o lado real (produção de bens e serviços) e a dívida pública.

A inflação de maio nos Estados Unidos, medida pelo índice de preços ao consumidor, atingiu 0,6%. Tal número é elevado para os padrões americanos. De fato, um possível ressurgimento de pressões inflacionárias foi o principal determinante da decisão do Fed de aumentar a taxa de juros.

Desde 2001, o Fed vinha seguindo uma estratégia de redução da taxa de juros. O objetivo era promover a recuperação da economia americana, a qual atravessou um período recessivo que teve início um pouco antes do final do governo Clinton. Hoje, há sinais fortes de que a recessão está encerrada. O PIB americano cresceu 3,9% no primeiro trimestre deste ano, ao passo que o FMI projeta um crescimento anual de 4,6%.

A combinação da recuperação da economia norte-americana com a determinação do Fed de impedir um ressurgimento da inflação praticamente define a trajetória dos juros nos Estados Unidos nos próximos meses. O recente aumento na Fed Funds rate dificilmente será o último neste ano. De fato, o Fed anunciou que pretende colocar a taxa de juros básica dos Estados Unidos em uma trajetória de ascensão gradual.

O aumento da taxa de juros determinado pelo Fed certamente impactará o mercado financeiro brasileiro. Os títulos da dívida pública americana são agora mais atrativos. Cabe lembrar que esses títulos são virtualmente imunes a qualquer tipo de “default”. Anteriormente, com juros mais baixos nos Estados Unidos e a relativamente elevada rentabilidade dos ativos de países emergentes, alguns investidores preferiram correr um risco maior e investiram em papéis dos emergentes.

Parte desses investidores, principalmente aqueles com maior grau de aversão ao risco, tenderá a recompor suas carteiras de ativos, vendendo papéis de emergentes e investindo em títulos americanos. Contudo, como o aumento da taxa de juros pelo Fed já era antecipado, essa recomposição de carteiras já vem ocorrendo de forma gradativa, de modo que o anúncio do Fed não provocou nenhum tipo de oscilação exacerbada no mercado financeiro doméstico.

A elevação dos juros também afetará o mercado brasileiro de câmbio. A recomposição acima mencionada das carteiras de ativos dos investidores determinará uma redução no fluxo de capitais estrangeiros para o Brasil. Por outro lado, como qualquer outra nação, o Brasil precisa equilibrar as suas contas externas. Seria possível compensar a queda no fluxo de capitais com empréstimos externos e/ou redução das reservas cambiais. Contudo, tais procedimentos são necessariamente transitórios. Logo, mais cedo ou mais tarde, haverá uma elevação do saldo comercial brasileiro, mas isso não acontecerá por geração espontânea. Os agentes econômicos precisarão ser induzidos a exportar mais e importar menos. E o principal mecanismo capaz de estimular as exportações e reduzir as importações é a desvalorização da moeda doméstica. Ou seja, deverá existir uma tendência de desvalorização um pouco mais acelerada do real nos próximos meses.

No tocante ao lado real da economia, cabe observar que a desvalorização da moeda nacional deverá ser maior que a inflação e a taxa de reajuste dos salários. A razão é extremamente simples. Se a desvalorização fosse acompanhada por uma variação na mesma magnitude nos preços internos e nos salários, a posição competitiva dos exportadores permaneceria inalterada. Para que haja uma acréscimo na balança comercial é preciso que a moeda doméstica se desvalorize a uma taxa maior que os demais preços. Desta forma, salário real, consumo e vendas domésticas deverão ser impactados de forma negativa.

A subida dos juros nos Estados Unidos também afetará a dívida pública brasileira. Atualmente, o grosso dessa dívida é interna. Contudo, como parte da dívida interna é indexada ao câmbio, a provável subida da taxa de câmbio tende a aumentar o serviço da dívida pública interna. No que diz respeito à dívida externa, como parte desta está vinculada a taxas de juros flutuantes, a tendência também é de acréscimo no serviço deste tipo de dívida. Deste modo, é possível que o esforço fiscal do governa tenha de ser um pouco maior do que o planejado para que o mesmo possa cumprir os compromissos assumidos junto aos seus devedores.

Finalizando, é importante ressaltar que, por pelo menos duas razões, todos os efeitos acima discutidos tendem a ser de pequena magnitude. A primeira é que os movimentos do Fed tendem a ser suaves, com aumentos gradativos e, em geral, esperados. Assim, os agentes econômicos já incorporam esses movimentos do Fed em suas decisões.

A segunda razão é que o Brasil vem conduzindo a política monetária e fiscal de forma equilibrada, ganhando cada vez mais credibilidade no cenário internacional. Desta forma, dado um ambiente de incerteza reduzida, a mudança do Fed não tende a ocasionar nenhum tipo de saída de capitais catastrófica. Ou seja, talvez o Brasil cresça um pouco menos que os 3,5% esperados, mas é baixa a probabilidade de haver mudança significativa na economia nacional.


Eurilton Araújo
Ph.D. em Economia pela Universidade Northwestern e professor do Ibmec São Paulo.

Alexandre B. Cunha
Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor do Ibmec Rio.