O real na rota mexicana

Artigo publicado na revista Conjuntura Econômica em agosto de 1995 (página 7).

Com o advento do real, a moeda nacional apresentou grande e espontânea valorização frente ao dólar. Esse fenômeno foi de crucial importância à imediata estabilização dos preços ocorridas em julho de 94.

O fácil sucesso no combate à inflação levou a administração Itamar Franco a adotar uma política cambial absolutamente leviana. Durante o segundo semestre de 94 o governo procedeu de forma a impedir qualquer reversão na valorização do real. A mudança de governo não alterou a essência dessa política, pois o Banco Central continuou a atuar de forma a manter o real sobrevalorizado em relação à moeda norte-americana.

Com efeito, no segundo semestre de 94 os haveres externos apresentaram redução de US$ 3,7 bilhões pelo conceito caixa e US$ 4,3 bilhões pelo critério de liqüidez internacional. De janeiro a maio de 95 a redução foi, pelos respectivos conceitos, de US$ 4,1 bilhões e US$ 5,1 bilhões.

A queda das reservas foi basicamente decorrente das intervenções governamentais no mercado cambial. Por objetivar manter a cotação do dólar abaixo daquela que seria determinada pelo mercado, o governo foi obrigado a suprir o mercado com uma oferta adicional de dólares.

O resultado dessa política foi a geração de significativo desequilíbrio nas contas externas. O país provavelmente fechará o ano com um deficit em conta corrente da ordem de quatro a cinco por cento do PIB. Desequilíbrio de tal ordem não é sustentável a longo prazo.

Apesar do alerta dado pela crise mexicana, o governo não emite sinais de pretender abandonar essa política. Segundo o Ministro da Fazenda, caso se permita que o real se desvalorize o necessário para equacionar as contas externas, o “Plano Real irá pelos ares”. Tal declaração evidencia a firme disposição do governo em protelar o inevitável ajuste do balanço de pagamentos.

Aparentemente, o governo FHC optou em conduzir o país pela mesma rota trilhada pelo México. Há várias coincidências entre a atual conjuntura brasileira e a mexicana antes da eclosão da crise.

Ao longo de 94 o governo do México atuou de forma a manter o peso sobrevalorizado em relação ao dólar. Captaram-se recursos no exterior, aumentando o endividamento externo daquele país. Adicionalmente, emitiram-se títulos da dívida pública interna com cláusula de correção cambial, os quais forneciam o hedge cambial necessário à atração do capital externo indispensável ao financiamento do deficit das contas externas.

O governo brasileiro tem adotado exatamente os mesmos procedimentos. Além da trajetória descendente das reservas, o Banco Central vem colocando no mercado títulos com cláusula de correção pelo dólar. Recentemente, o Tesouro Nacional iniciou um processo de captação de recursos nos mercados financeiros internacionais.

Alega-se que aqueles recursos se destinarão à amortização da dívida interna. O ganho do governo decorrerá da redução de seus encargos financeiros, pois os títulos emitidos no exterior pagam juros bem inferiores àqueles pagos pela dívida interna. Essa argumentação é tão correta quanto incompleta. Faltou dizer que os dólares captados no exterior ocasionarão um aumento da oferta interna de dólares. Ou seja, os dólares captados pelo Tesouro contribuirão à manutenção da desmedida valorização do real.

Como se não bastassem os equívocos acima descritos, o governo comete outros na área de comércio exterior. Com intuito de reduzir o deficit comercial sem desvalorizar o real, criaram-se diversas restrições às importações. Causa espanto a crença na eficácia dessas medidas no tocante ao ajuste das contas externas, pois dadas a disposição do governo em reduzir as reservas e a taxa de juros interna, o ingresso total de capitais está determinado. Em conseqüência, tais restrições não afetarão o saldo em conta corrente. Elas apenas ocasionarão uma maléfica redução no fluxo de comércio.

Em síntese, o governo lançou a nação em uma arriscada aventura. Se a equipe econômica persistir em ignorar a realidade, cedo ou tarde o país mergulhará em uma crise semelhante à mexicana. É indispensável ao bem-estar nacional que a administração FHC reavalie suas prioridades antes dos agentes econômicos anteciparem o inevitável colapso da presente política cambial.


Alexandre Barros da Cunha
Professor da Universidade Santa Úrsula e da PUC-Rio.