O que originou a inflação brasileira nos dois últimos anos?

Artigo publicado, sob o título Qual a origem da inflação brasileira?, no jornal O Estado de São Paulo em 5 de julho de 1994 (página B2).

Certamente, a inflação tem sido a mais marcante característica da economia brasileira nos últimos tempos. Deste modo, a interrogação que serviu como título ao presente artigo é capaz de aguçar a curiosidade de qualquer cidadão. O objetivo deste ensaio consiste justamente em esclarecer alguns aspectos relacionados a esse tema.

Existe forte correlação entre a quantidade de moeda em circulação na economia e o nível dos preços. Desconhece-se, em toda a história da humanidade, algum episódio de ocorrência de inflação sem que se verificasse simultaneamente crescimento da base monetária – que corresponde à soma entre o valor total das cédulas e moedas emitidas e os recursos depositados no Banco Central (BC) pelos demais bancos. E o Brasil não é exceção. Por outro lado, inexiste qualquer evidência de algum país ter desfrutado da estabilidade de preços sem a contrapartida da disciplina monetária.

Se o controle monetário está tão intimamente associado à estabilidade dos preços, porque algumas sociedades o relegam para segundo plano? Via de regra, o descontrole monetário é conseqüência do descontrole fiscal. Como suas receitas não são suficientes para financiar a totalidade dos seus gastos, o governo cai no canto de sereia da inflação. Isto funciona de forma bastante simples: o BC emite uma certa quantidade de dinheiro que será em seguida repassado ao Tesouro para cobrir o deficit fiscal.

Todavia, o financiamento ao Tesouro Nacional não é o único elemento a impactar a oferta de moeda. Dentre outros fatores, as operações cambiais do BC também o fazem. Por exemplo, ao comprar dólares de um exportador o BC emite moeda, expandindo a base monetária. Quando o BC vende dólares ocorre o oposto. No caso brasileiro, as operações de câmbio foram a maior causa da expansão monetária nos últimos dois anos. Não foi de graça que as reservas internacionais do país (isto é, a quantidade de moeda estrangeira e ouro em poder do BC) passaram de US$ 9,4 bilhões ao fim de 1991 para US$ 32,2 bilhões dois anos depois. E, segundo declarações recentes do diretor da área internacional do BC, já atingiram os US$ 40 bilhões. Como se pagou por essa quantia? Basicamente emitindo dinheiro; conseqüentemente, gerando inflação. Ao contrário do que muitos imaginam, o Tesouro Nacional não contribuiu para o descontrole monetário nos últimos dois anos. Apesar da grave situação das contas públicas, se o comportamento da base monetária fosse determinado única e exclusivamente pelas necessidades de financiamento do Tesouro, a oferta de dinheiro teria decrescido em 1991 e 92!

O impacto da expansão das reservas internacionais sobre a base monetária foi expressivo. Se não houvesse ocorrido a acumulação de reservas, a oferta monetária não teria se expandido. Na verdade, teria decrescido. Decrescido a ponto de ter-se tornado nula a quantidade de moeda existente na economia! Ou seja, obrigou-se a sociedade inteira a conviver com elevadíssimos índices de inflação, penalizando em maior grau justamente seus índivíduos mais carentes (entenda-se por carente como qualquer um que não possui acesso ao sistema financeiro), apenas para que as reservas internacionais crescessem.

Concluindo, deve ser ressaltado que o crescimento das reservas também exerceu significativas influências sobre as taxas de juros e as finanças públicas. Parte do dinheiro emitido na compra de dólares foi posteriormente retirada de circulação através da venda de títulos da dívida pública. Logo, o setor público aumentou o seu endividamento e os encargos financeiros (juros) dele decorrentes. Houve, ainda, um segundo agravante: para vender esses títulos adicionais, o BC teve de aumentar a taxa real de juros, o que elevou o custo de toda dívida pública previamente existente. Assim, não é difícil concluir que o presidente Itamar Franco não está totalmente desprovido de razão quando reclama das elevadas taxas de juros. O Brasil teria desfrutado de taxas de juros reais mais modestas e índices de inflação bem menos expressivos se não tivesse expandido suas reservas internacionais.


Alexandre Barros da Cunha
Mestre pela Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas.