O Plano Real e as metas monetárias

Artigo publicado, sob o título As metas monetárias, no jornal O Estado de São Paulo em 13 de outubro de 1994 (página B2).

Recentemente, divulgou-se que o governo não respeitou as metas de expansão monetária estabelecidas quando da implementação do Plano Real. O Conselho Monetário Nacional autorizou o Banco Central a ultrapassar, conforme previsto na Medida Provisória no 566, em até 20% o teto anteriormente estipulado.

Afirmações de integrantes da equipe econômica minimizaram os efeitos desse episódio. A imprensa divulgou ainda declarações semelhantes de economistas das mais diversas tendências. Apesar dessa quase unânime despreocupação, seria interessante analisar esse problema com maior rigor.

Inicialmente, cabe destacar que a política monetária no Brasil é conduzida de forma totalmente distinta da usual. Na maior parte das nações a taxa de juros é somente um instrumento, e não o objetivo, da política monetária. Aquela variável é ajustada sempre que se faz necessário corrigir a trajetória da oferta de moeda.

Quando o governo tem necessidade de contrair os meios de pagamentos, ele eleva a taxa de juros. O crescimento dessa variável induz a sociedade a reduzir a quantidade demandada de moeda e desejar reter mais títulos públicos. O passo seguinte consiste no governo retirar de circulação, através de operações de mercado aberto, a quantidade de moeda agora excedente e ceder em troca os desejados títulos públicos. Obviamente, ocorre o oposto quando o Banco Central reduz a taxa de juros.

No Brasil, o valor da taxa de juros era um dos objetivos da política monetária antes do Plano Real. Ao que parece, continua a ser. De outro modo, ao constatar a possibilidade de estourar as metas monetárias, o governo teria elevado a taxa de juros, corrigindo assim o desvio em questão.

É importante que se deixe claro o fato de ser impossível ao governo controlar simultaneamente moeda e juros. O controle da primeira variável exige alterações na segunda sempre que necessário. Optando-se por fixar a taxa de juros, a oferta de moeda terá de ajustar-se àquela outra variável. Ou seja, a fixação da taxa de juros torna a oferta monetária passiva. Vale observar que no Brasil esse tipo de procedimento foi muitas vezes um subterfúgio para a falta de vontade de impor limites à emissão de moeda.

As declarações, por parte de membros da equipe econômica, de que as metas monetárias não são relevantes agridem a lógica. Se elas não possuem importância, qual o porquê de sua elaboração? Note-se que esse episódio evidencia o fato do Poder Público continuar indisciplinado e incapaz de cumprir metas.

Afirmar que o rompimento do teto previsto não foi devido ao auxílio a instituições financeiras ou ao deficit público só torna o fato mais preocupante. Como não se respeitaram as metas na ausência dessas fontes de pressão, o que leva a crer que no futuro novos limites serão respeitados quando algum daqueles dois fatores estiver presente?

O controle da quantidade de moeda é fundamental, pois quer alguns economistas gostem ou não disso, a inflação não é causada pela CUT, pelos bancos privados ou pela ganância de empresários e especuladores. Ela só ocorre quando o meio circulante se expande. Ou seja, a inflação é um fenômeno monetário. Deste modo, a persistência em fixar taxa de juros e ignorar o comportamento dos agregados monetários consiste em grave equívoco.

O desrespeito aos limites de expansão monetária previstos na Medida Provisória no 566 não constitui por si só um prenúncio de fracasso para o Plano Real. Porém, é indispensável que o governo seja capaz de, em futuro não muito distante, controlar a oferta de moeda para que esse programa de estabilização produza resultados duradouros.


Alexandre Barros da Cunha
Professor da Universidade Santa Úrsula e da PUC-Rio.