O esquecido problema fiscal

Artigo publicado no website do jornal Gazeta do Povo em 20 de janeiro de 2022, no website do jornal Correio da Semana em 20 de janeiro de 2022 e no Jornal das Alagoas (p. 2) em 21 de janeiro de 2022.

A pandemia de Covid-19 teve, e ainda tem, fortes impactos sobre todas as nações. O nosso país não foi exceção. Mais de 600 mil brasileiros faleceram em decorrência dessa enfermidade. Crianças deixaram de ir para a escola, empresas faliram, o desemprego aumentou, as interações sociais foram consideravelmente reduzidas etc. Em síntese, a eclosão do vírus SARS-CoV-2 foi um evento adverso sem paralelo na história recente.

Tendo em vista o quadro acima descrito, é natural que a pandemia praticamente monopolize o debate público. Todavia, o fato de que nos últimos dois anos o Brasil essencialmente ignorou os problemas que o afligiam antes da disseminação da Covid-19 não fez com que eles deixassem de existir. No caso específico do desequilíbrio nas contas do governo federal, exatamente o contrário ocorreu: a expansão do gasto público decorrente das ações de combate à pandemia agravou o problema fiscal.

No final de 2014 já era bem claro que o país precisava realizar um forte ajuste nas contas públicas. Tanto que tão logo reeleita, a presidente Dilma Rousseff, que certamente não era adepta da disciplina fiscal, optou por indicar para o cargo de ministro da Fazenda Joaquim Levy, notório defensor da parcimônia orçamentária. Porém, as medidas tomadas de janeiro de 2015 até o início da pandemia não foram suficientes para sanar o problema. Desta forma, quando a Covid-19 chegou ao nosso país no começo de 2020, as contas do governo ainda estavam deficitárias. E como durante os últimos dois anos a situação orçamentária se agravou, é evidente que ainda existe um problema fiscal.

Não há como a administração pública permanecer indefinidamente com as contas desajustadas. Em particular, o presente desequilíbrio orçamentário é de tal ordem que não se pode descartar a possibilidade de que o governo federal não consiga honrar os seus compromissos financeiros e/ou de que venha a ocorrer uma considerável elevação da taxa de inflação. A perspectiva de que esse cenário adverso possa se concretizar coloca as empresas e demais agentes econômicos em um compasso de espera, de maneira que novos projetos são postergados e empregos deixam de ser criados. Consequentemente, dificilmente o PIB do país entrará em uma trajetória duradoura de crescimento enquanto a questão fiscal não for equacionada.

As vacinas e os medicamentos recentemente desenvolvidos tendem a transformar a Covid-19 em uma doença menos ameaçadora, de forma que possivelmente iremos superar essa traumática experiência. Todavia, debelar a pandemia não é suficiente para que a economia brasileira volte a crescer. Para que isso aconteça, dentre outros fatores, é preciso que o governo equilibre as suas contas. Há de se torcer para que o candidato vitorioso na próxima eleição presidencial tenha a capacidade de equacionar esse árduo, porém incontornável, problema.


Alexandre B. Cunha
Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor da UFRJ.