Instituições medíocres, país pobre

Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 7 de agosto de 2002 (página A14).

É razoável supor que instituições governamentais sólidas e eficientes sejam benéficas ao desenvolvimento e que a qualidade do governo seja um dos determinantes do crescimento de uma nação. Será que a experiência internacional corrobora essa hipótese?

O estudo do Banco Mundial “Governance Matters II” calcula seis indicadores da qualidade da governança pública para 164 países. Esses indicadores são listados abaixo. Associou-se aos itens que afetam um indicador de forma negativa o sinal (-).
(i) Liberdade de expressão e imputação de responsabilidade aos gestores públicos: capacidade dos cidadãos escolherem e monitorarem os governos; liberdade de imprensa.
(ii) Estabilidade política: probabilidade de o governo ser desestabilizado por meios não democráticos (-).
(iii) Eficácia governamental: qualidade dos serviços públicos; competência dos funcionários públicos e independência desses frente a pressões políticas.
(iv) Qualidade regulatória: existência de políticas restritivas à liberdade de mercado (-); ausência de controles de preços; supervisão bancária adequada.
(v) Observância da lei: incidência de crimes (-); eficiência do judiciário; respeito aos contratos.
(vi) Controle da corrupção: existência de propinas (-) e apropriação do Estado por elites políticas (-).

É impossível analisar neste espaço cada um desses indicadores. Assim sendo, optou-se por calcular a média aritmética simples dessas variáveis. Apesar de algumas limitações, essa média pode ser utilizada como uma medida sintética da qualidade da governança pública.

É representada no gráfico a relação entre a governança pública média e uma medida de renda per capita. Os indicadores de governança foram construídos de forma que valores mais elevados representem resultados melhores – por exemplo, menos corrupção. Adicionou-se ainda uma linha que aproxima a relação média entre as duas variávieis. Cada ponto no gráfico representa um país diferente. Oito deles foram destacados: Angola (AGO), Brasil (BRA), Chile (CHL), Coréia (KOR), Emirados Árabes Unidos (ARE), Espanha (ESP), Estados Unidos (USA) e Turquia (TUR).

O gráfico mostra que as instituições públicas do Brasil são de qualidade média. Elas são melhores que as da Turquia e piores que as do Chile, por exemplo. Adicionalmente, o Brasil apresenta um nível de renda próximo à média dos países que tem instituições de qualidade semelhante – ou seja, está próximo à curva no gráfico.

O gráfico mostra também que existe uma relação positiva entre qualidade da governança pública e renda per capita. Não há países com instituições muito ruins e alta renda nem países com instituições muito boas e renda baixa.

É provável que avanços em qualquer das duas dimensões estimulem avanços na outra. Por um lado, quando as instituições ficam mais eficientes, os países tendem a se tornar mais produtivos e, portanto, mais ricos. Por outro lado, quando uma sociedade fica mais rica, ela tende a demandar e pode financiar instituições mais avançadas e mais caras.

Dado que o próprio crescimento tende a melhorar as instituições, será que vale a pena os governos fazerem um esforço deliberado para acelerar o processo de aperfeiçoamento institucional? Os ganhos desse aperfeiçoamento acelerado são, potencialmente, dois. O primeiro, óbvio, é que isso melhorará a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. O segundo é o impacto desse avanço institucional sobre o próprio nível de renda do país. Será que esse segundo efeito é empiricamente importante?

Ensaio recentemente publicado na American Economic Review sugere que a qualidade das instituições públicas tem um importante impacto sobre o nível de renda. O artigo analisa um conjunto de 64 ex-colônias européias e estima que cerca de três quartos das atuais diferenças de renda per capita entre esses países são devidos a diferenças nas instituições.

Isso pode ser uma boa notícia para o Brasil. Como o gráfico indica, as instituições brasileiras não estão entre as mais eficientes do planeta. O aprimoramento das instituições públicas brasileiras deveria ser uma das prioridades do próximo governo. Na pior das hipóteses, tal política levará à oferta de serviços governamentais de melhor qualidade aos cidadãos. No cenário otimista, ações nesta área também estimularão o desenvolvimento do país.


Alexandre B. Cunha
Professor do Ibmec Rio.

Antonio Fiorencio
Professor do Ibmec Rio e da UFF.