Eficiência do judiciário e crescimento econômico

Artigo publicado no jornal O Globo, sob o título Quando a justiça se atrapalha, em 25 de outubro de 2004 (página 7) e na revista Consulex em 31 dezembro de 2004 (página 16).

A existência de um sofisticado sistema de trocas é uma importante característica da sociedade moderna. Por exemplo, um pedreiro que deseje ter o seu sapato reparado não precisa prestar algum serviço para um sapateiro. Ele pode trabalhar algumas horas para uma pessoa qualquer e utilizar a remuneração recebida por essas horas para pagar pelo conserto do seu sapato.

Se todas as transações econômicas (ou seja, as trocas) fossem proibidas, cada indivíduo estaria obrigado a obter por si só tudo aquilo que ele consumisse. Como cada ser humano consegue realizar apenas algumas poucas tarefas de forma eficiente, o padrão de vida cairia muito. De fato, a humanidade voltaria para as cavernas. Logo, o sistema de trocas permite que o ser humano moderno desfrute de muito mais conforto material do que os seus ancestrais pré-históricos.

A maior parte das transações econômicas requer garantias legais. A locação de um imóvel é um exemplo óbvio. Locador e locatário firmam um contrato. O foro apropriado para resolver qualquer disputa é a justiça.

Diversas trocas não envolvem contratos explícitos. Mas mesmo essas transações podem requerer algum tipo de garantia legal. Por exemplo, considere um simples almoço em um restaurante. O consumidor espera que o alimento esteja em perfeito estado de conservação. Caso isto não se verifique, ele deverá receber algum tipo de indenização.

Tendo em vista os benefícios advindos do sistema de trocas, o seu bom funcionamento deveria ser um objetivo constante do poder público. Como a maior parte das transações econômicas requer garantias judiciais, a existência de uma justiça mais veloz contribuiria para o funcionamento do sistema de trocas no Brasil e, conseqüentemente, para o desenvolvimento econômico do país.

Há diversas alternativas para agilizar a justiça brasileira. A primeira seria multiplicar o número de varas e tribunais. Isso demandaria a contratação de mais juízes, funcionários, etc. O aspecto negativo desta linha de ação é o seu custo. A sociedade incorreria em um ônus tributário extra. Idealmente, a justiça deveria se tornar mais rápida sem receber recursos adicionais dos tesouros estaduais e federal.

Outra possibilidade consiste em elevar o valor das multas e/ou compensações a serem pagas por réus que forem derrotados em processos judiciais. A possibilidade de perdas elevadas induzirá aqueles que provavelmente perderão à busca de acordos extra-judiciais. Isto determinará uma redução no número de pessoas, empresas e governos que se aproveitam da lentidão dos tribunais deste país para protelar o pagamento de dívidas.

A reportagem “Multa pesada para quem sobrecarrega a Justiça”, publicada no jornal O Globo de 6 de agosto último, aborda justamente os pontos discutidos no parágrafo anterior. De acordo com aquela matéria, encontra-se em fase de elaboração um projeto de lei que “…criará multas mais pesadas para empresas e instituições com grande número de recursos protelatórios de decisões nos tribunais do país” e “visa tirar das empresas a vantagem econômica de adiar as decisões judiciais com o estabelecimento de multas pesadas para instituições que recorrem de determinada sentença envolvendo temas que já tenham jurisprudência clara.”

Aparentemente, o projeto de lei prevê multas apenas para aqueles que recorrerem. Ou seja, ele não prevê penalidade adicional para quem perder em primeiro grau. Se o projeto for aprovado dessa forma, somente as instâncias superiores serão desafogadas. Logo, não se resolverá de forma plena o problema a ser sanado.

A morosidade da justiça brasileira é um entrave à retomada do crescimento econômico. Parte deste problema é decorrente dos baixos custos incorridos pelos réus que são derrotados nos processos. Elevar esses custos, em todos os níveis da justiça, deve ser o primeiro passo para proporcionar aos brasileiros uma justiça mais eficiente.


Alexandre B. Cunha
Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor do Ibmec Rio.