ALCA, reforma tributária e bem-estar social

Artigo publicado, sob o título ALCA e reforma tributária, no jornal O Globo  em 29 de agosto de 2002 (página 7).

É provável que em futuro não muito distante seja criada a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). A iminência do surgimento dessa zona de comércio fez com que surgisse um intenso debate sobre a conveniência do Brasil incentivar ou não a sua implementação.

A carga tributária brasileira está na faixa de 34% do PIB. Este número é muito elevado para os padrões da América Latina. A cifra também é elevada quando comparada aos seus valores pretéritos. Por exemplo, em 1992 a variável em questão foi da ordem de 25%.

Um dos principais componentes de qualquer acordo comercial é a redução das tarifas aduaneiras. Logo, é natural que mudanças nos impostos de importação ocasionadas por negociões comerciais sejam vistas como componentes de uma reforma tributária mais abrangente.

Economistas não possuem laboratórios como os físicos ou cobaias como os médicos. Isso dificulta a realização de experimentos que permitam quantificar de forma confiável o impacto de políticas econômicas alternativas.

Uma opção de altíssimo custo consiste em insistir no caminho trilhado pelos planos heterodoxos das décadas de oitenta e noventa: realizar experimentos em um laboratório chamado Brasil com cobaias humanas. Uma alternativa barata para a sociedade consiste em adotar uma técnica que hoje faz parte das ferramentas de trabalho de qualquer estudioso de política econômicas: o computational experiment (experimento computacional).

Em que consiste um experimento computacional na área de economia? Cria-se, em um computador, um mundo virtual composto por trabalhadores, firmas, consumidores, governos, etc. As características dos habitantes, firmas e governos desse pequeno mundo são escolhidas de forma que alguns fatos observados no mundo real sejam reproduzidos no mundo virtual. No jargão dos pesquisadores da área de economia, o modelo (ou seja, o mundo virtual) é calibrado para replicar diversas propriedades das economias verdadeiras. Feito isto, simula-se no mundo virtual o efeito de políticas alternativas.

É importante destacar que a economia artificial não é uma réplica fiel da economia real. A complexidade da tarefa obriga que se construa um mundo virtual que imite o mundo real em algumas poucas dimensões. Essas simplificações são equivalentes ao procedimento de “desprezar a resistência do ar” adotado pelos físicos.

Os autores deste ensaio desejavam quantificar os impactos da ALCA e de uma redução da carga tributária sobre a economia brasileira. Particularmente, existia interesse em avaliar possíveis ganhos e perdas de bem-estar social. Humildes professores não possuem a chave do laboratório chamado Brasil. Assim sendo, a estes pesquisadores restou a opção de realizar um experimento computacional.

Construiu-se uma economia artificial composta por quatro países: Brasil, Argentina, EUA e um último chamado “resto do mundo”. A economia artificial foi calibrada de forma que os seus fluxos de comércio internacional, as suas alíquotas de impostos, seus padrões de consumo e o PIB de cada um dos seus países reproduzissem as suas contrapartidas do mundo real em 1997. Esse ano foi escolhido por uma questão de disponibilidade de dados.

Diversas simulações foram executadas no mundo artificial. Simultâneas implementação da ALCA (ou seja, a eliminação de todos os impostos de importação para o comércio entre Brasil, Argentina e EUA) e redução da alíquota dos impostos indiretos sobre o consumo de 16,2% para 5,5% geraram um ganho de bem-estar equivalente a 2,4% do PIB brasileiro na economia virtual. O ganho de bem-estar é mensurado levando em conta a satisfação (no jargão dos economistas, a utilidade) do brasileiro virtual típico antes e depois das reformas.

Existem evidências empíricas que um país pobre tem expressivos ganhos de produtividade ao aderir a um bloco comercial com uma nação mais desenvolvida. Dentre outras razões, esses ganhos surgem devido ao fato que as empresas locais são obrigadas a adotar tecnologias mais avançadas para poder competir com suas congêneres estrangeiras. Conforme mencionado acima, a economia artificial é somente uma versão simplificada do mundo real. Particularmente, a economia virtual foi construída de tal maneira que tais ganhos de produtividade não ocorrem. Logo, a cifra de 2,4% é um piso para os ganhos de bem-estar.

A utilização de experimentos computacionais para avaliar efeitos de políticas econômicas alternativas possui uma longa tradição. Tais experimentos apontam para ganhos de bem-estar com a implementação de acordos comerciais e redução de impostos. Assim sendo, ALCA e reforma fiscal deveriam ser prioritárias para o próximo presidente.


Alexandre B. Cunha
Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor do Ibmec Rio.

Arilton Teixeira
Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor do Ibmec Rio.