Artigo publicado na revista Trade & Culture em novembro de 2006 (páginas 24-26).
Uma das mais importantes decisões de política econômica que um governo pode tomar consiste em optar se deve buscar ou não acordos de comércio internacional. E, no caso de um país que decide por aderir a algum acordo, a seleção dos seus parceiros é tão importante quanto a primeira escolha.
O principal benefício dos acordos de livre comércio já era identificado por Adam Smith em A Riqueza das Nações. A especialização de cada indivíduo em algumas poucas atividades econômicas permite que a sociedade obtenha uma produção de bens e serviços muito maior que se alcançaria caso cada um de nós tivesse que suprir por si só os seus desejos e necessidades.
Evidentemente, para que cada indivíduo possa se dedicar a algumas poucas atividades é necessário que ele possa trocar o produto do seu trabalho pelos diversos bens e serviços que ele deseja. E, quanto mais numerosas as alternativas de trocas disponíveis, maior o potencial de especialização.
Os benefícios de acordos comerciais advêm da ampliação das oportunidades de trocas para um país. Ao facilitar as transações comerciais entre as nações participantes, um tratado de comércio permite com que cada país aumente o seu grau de especialização. Essa maior especialização permite que os recursos produtivos sejam utilizados de maneira mais eficiente, favorecendo-se assim todos os países envolvidos.
O raciocínio desenvolvido acima tem uma implicação altamente relevante para o Brasil. Quanto maior for a economia (ou seja, o PIB) de um país que ingressa em um bloco comercial relativamente às economias dos seus parceiros no bloco, menor serão os benefícios para o país em questão. Isto decorre do fato que quanto maior for o PIB de um país vis-à-vis o de seus parceiros, menor serão as novas oportunidades de trocas que a liberalização comercial lhe trará.
Uma maneira simples de ilustrar o argumento do parágrafo anterior consiste em considerar o retorno de Robison Crusoé (o famoso náufrago do romance de Daniel Defoe) à civilização. Enquanto Crusoé estava perdido em uma ilha deserta, ele não efetuava qualquer troca com o resto do mundo. Pode-se então considerar que, para efeitos puramente econômicos, o retorno de Crusoé à civilização correspondeu a um acordo comercial que liberou totalmente as trocas entre o náufrago e o resto do mundo. O impacto deste evento sobre a economia do resto do mundo foi, para todos os efeitos, nulo. Para Crusoé foi imenso. Esses diferenciais de benefícios decorrem do fato que, relativamente ao resto do mundo, Crusoé era muito pequeno.
De acordo com as estimativas do Banco Mundial, em 2005 o Brasil possuía a nona maior economia do mundo. Tendo em vista que o Brasil deveria buscar acordos com economias maiores, há no mundo inteiro poucos países que possam consistir em alvos prioritários para que a diplomacia brasileira tente firmar acordos de comércio. Mais ainda: dentre os países das três Américas, somente os Estados Unidos possuem um PIB maior que o brasileiro.
É importante deixar claro que, independentemente do tamanho dos países envolvidos, um acordo comercial tende a ser benéfico para todos os países envolvidos. Ou seja, se o Brasil tiver a oportunidade de fazer um acordo com uma pequena economia da América Central, tal acordo deve ser firmado.
A recomendação do parágrafo anterior era, até recentemente, controversa entre os estudiosos do comércio internacional. Argumentava-se que um acordo que envolvesse poucas nações (por exemplo, o Mercosul) faria com que os seus membros se fechassem para os países de fora do bloco. Contudo, recentes estudos teóricos e empíricos refutam essa possibilidade.
Um importante aspecto dos acordos de comércio que passou desapercebido por aqueles que se opunham aos blocos menores diz respeito às diferenças entre os objetivos dos governantes e os da população em geral. Governos não necessariamente perseguem metas desejáveis sob o ponto de vista do bem-estar da sociedade. Por razões que fogem ao escopo deste breve texto, concluiu-se em estudos recentes que todo acordo comercial potencialmente contribui para alinhar os interesses dos administradores públicos aos dos cidadãos em geral. Essencialmente, a implementação de um acordo comercial induz um governo a reduzir também as tarifas de importação sobre bens produzidos fora do bloco. Esse fato garante que o impacto final de um acordo comercial, mesmo que envolva somente dois parceiros, tende a ser positivo.
A inserção do Brasil em acordos de comércio deve se constituir em uma das principais metas da administração pública. Toda e qualquer oportunidade de aderir a um bloco comercial deve ser bem-vinda. E, tendo em vista o fato da economia brasileira ser uma das maiores do mundo, um acordo que envolva os Estados Unidos e outras grandes economias deveria se tornar o foco da agenda diplomática do país.
Alexandre B. Cunha
Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor do Ibmec Rio.
Emanuel Ornelas
Ph.D. em Economia pela Universidade de Wisconsin e professor do Ibmec Rio e da Universidade da Georgia.