Qual é a taxa de câmbio ideal?

Artigo publicado no jornal A Gazeta em 24 de junho de 1994 (página 5).

A crise mexicana e as recentes mudanças na política cambial brasileira reavivaram um tema polêmico: em que nível os formuladores da política econômica devem fixar a taxa de câmbio?

Sabe-se que a taxa de câmbio “ideal” não corresponde a um número imutável. Diversos fatores instáveis influenciam esse valor “ideal”. Os preços dos bens exportados e importados, a inflação no Brasil e no mundo, um vasto elenco de taxas de juros nacionais e internacionais, aspectos tecnológicos… Todos esses e muito outros elementos devem ser monitorados pelos responsáveis pela política econômica.

Não se deve fixar uma taxa cambial “baixa”. De outro modo, o governo será obrigado a vender dólares no mercado de câmbio para impedir que o preço da moeda norte-americana (isto é, a taxa de câmbio) se eleve. Essas intervenções ou reduzirão as reservas internacionais do país ou ampliarão a dívida externa (pois o governo poderá tomar emprestados os dólares a serem vendidos internamente) ou ambas as alternativas – como ocorreu no México.

Um câmbio “alto” também possui impactos adversos. Para manter dólar sobrevalorizado em relação à moeda nacional o governo será obrigado a intervir no mercado cambial comprando dólares, pois somente desse modo o preço do dólar não cairá. Para efetuar essas aquisições, o governo terá de despender recursos. Ou seja, de uma forma ou de outra a sociedade incorrerá em custos por sobrevalorizar o dólar.

Não é difícil concluir que o valor “ideal” do dólar é aquele que desobriga o governo de comprar ou vender dólares no mercado cambial. Ora, mas isto implica a taxa “ideal” para o câmbio ser justamente aquela que seria determinada pelo mercado livre!

Surge então a seguinte dúvida: o câmbio livre impede a ocorrência de crises cambiais? Não. Mas muito menos o faz a ação governamental. As sucessivas crises ocorridas ao longo desta década na Europa Ocidental bem o provam. Para não se ir tão longe, pode-se mencionar o México – pois, ao contrário do que muitos afirmam, a crise mexicana foi causada pela persistência do governo local em manter o peso sobrevalorizado, e não pelo mercado livre.

Se ambos os regimes estão sujeitos a turbulências, quais seriam as vantagens do câmbio livre? Em primeiro lugar deve-se destacar que, ao contrário das forças de mercado, os tecnocratas que conduzem a política econômica não são capazes de monitorar todas as variáveis relevantes à determinação do câmbio “ideal” – a despeito de sua genialidade estar acima do bem e do mal. Logo, as crises cambiais são muito mais freqüentes quando o câmbio não é livre. E, ao contrário do que ocorre quando o taxa de câmbio é fixada pelo governo, o surgimento de uma crise cambial em um regime de mercado livre será um problema do setor privado e não do governo.

Por fim, seria interessante mencionar a maior vantagem do câmbio livre. Freqüentemente os governantes lançam mão da política cambial para mascarar a real situação do país – ainda mais em sociedades de pouca tradição democrática. Assim se procedeu no México, quando da eleição de Zedillo, e no Brasil, quando das eleições de 86 e 94. E assim o governo brasileiro continua a proceder. Afinal, apesar de serem indispensáveis à continuidade do desenvolvimento nacional, as reformas constitucionais não justificam a teimosia de manter o real sobrevalorizado.


Alexandre Barros da Cunha
Professor da Universidade Santa Úrsula e da PUC-Rio.