Os bancos estaduais e a reforma constitucional

Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 13 de fevereiro de 1995 (página B2).

A existência de um equilíbrio fiscal permanente consiste em condição sine qua non ao sucesso de qualquer programa econômico que pretenda colocar um fim definitivo na inflação. Em adição, é também imperioso o respaldo político e legal ao Banco Central (BC) para que esta instituição possa desenvolver uma política monetária consistente com a estabilidade de preços.

Todo brasileiro bem informado sabe que o Plano Real não atende as condições acima enunciadas. Sabe também da necessidade de reformas constitucionais para se solucionar de forma permanente o problema fiscal e não desconhece a impossibilidade de existir disciplina monetária enquanto a questão dos bancos estaduais não for equacionada. A conclusão lógica é que, a menos de ajustes profundos, o Plano Real não poderá acabar com a inflação. Quando muito, poderá mantê-lá em patamares “civilizados” – algo como 15 a 50% ao ano.

Pode-se prever que será bastante difícil para a administração FHC resolver os problemas fiscal e monetário de forma definitiva. Para se reformar a Constituição é preciso sustentação política, a qual por sua vez requer apoio dos governadores – ao menos de boa parte deles.

Evidencia-se aqui a complexidade da equação política. Somente duas propostas referentes ao destino dos bancos estaduais consistentes com a estabilidade monetária duradoura estão disponíveis: privatização ou liquidação. E outra não surgirá, ao menos até o dia em que os políticos brasileiros se transformem em administradores zelosos. Obviamente, caso isso ocorra, não será antes de alguns anos.

De modo geral, os novos administradores estaduais não estão dispostos a abrir mão de seus bancos. No caso de BANESPA e BANERJ, que estão sob comando do BC, seus respectivos governadores aparentam não admitir a hipótese de não voltar a administrá-los algum dia. Simultaneamente, estados menos poderosos já se movimentam para entregar os seus bancos à administração do BC.

Isso não foi explicitado, mas tudo leva a crer que os governadores desejam transferir o ônus de sanear seus bancos à administração federal para em seguida tê-los de volta. Caso isso se verifique, muito provavelmente os jornais voltarão a noticiar, mais cedo ou mais tarde, que o BC está emitindo dinheiro para socorrer as instituições financeiras estaduais.

Apesar de existirem instrumentos legais para liquidar ou privatizar os bancos estaduais administrados pelo BC e para fiscalizar de forma rigorosa os demais, dificilmente o governo federal utilizará esses recursos. A necessidade de FHC ter votos no Congresso Nacional para reformar a Constituição e aprovar outras normas jurídicas provavelmente implicará uma solução menos drástica – e conseqüentemente inconsistente com uma política monetária austera – para o problema dos bancos estaduais.

Independentemente do cenário internacional, já seria uma tarefa delicada para FHC promover a reforma constitucional e gerenciar a política monetária sem permitir um repique inflacionário e manter o apoio dos governadores. Com a crise mexicana e seus possíveis efeitos adversos sobre o Brasil, isso se torna ainda mais complexo. Assim, a menos que os governadores concordem em abrir mão dos bancos estaduais e apoiem a revisão constitucional, é provável que o fim definitivo da inflação venha a ser uma tarefa para o próximo presidente.


Alexandre Barros da Cunha
Professor da Universidade Santa Úrsula e da PUC-Rio.