A taxa de juros de longo prazo

Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 9 de janeiro de 1995 (página B2).

Recentemente, anunciou-se a criação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Este indexador corrigirá os empréstimos do BNDES. Sua conseqüência maior será a redução dos juros cobrados nessas operações.

Indubitavelmente, a escassez de créditos de longo prazo nos últimos anos contribuiu sobremaneira para a estagnação da economia nacional. Logo, ao menos os indivíduos de boa vontade suporiam que a TJLP fortaleceria a retomada do desenvolvimento brasileiro.

Contudo, boa vontade não possui grande relevância econômica. E apesar do discurso daqueles que a idealizaram, a TJLP pouco acrescentará à nação. Muito pelo contrário. Esta nova fantasia terá como maior conseqüência o agravamento do quadro social brasileiro.

A lógica econômica existente por trás da TJLP é muito simples. Se esse indexador não implicasse algum tipo de subsídio aos mutuários do BNDES, esses agentes econômicos poderiam obter empréstimos idênticos junto aos bancos privados. Como o simples fato do governo ofertar créditos nas mesmas condições que o setor privado pouco influenciaria a atividade econômica, conclui-se que, a menos de algum subsídio, a TJLP não surtirá os efeitos alardeados por seus criadores.

O raciocínio acima possui interesse apenas teórico, pois a TJLP foi fixada em um nível inferior àqueles praticados nas operações de mercado. Ou seja, tais financiamentos são efetivamente subsidiados.

Há que se levar em conta o fato do governo não ser capaz de criar recursos. Ele apenas os redistribui entre os agentes econômicos. No caso do BNDES, isso é evidente. Esse orgão empresta, de forma subsidiada, para um pequeno grupo de privilegiados aquilo que o Estado arrecada, de forma compulsória, de toda a sociedade.

O primeiro questionamento que surge diz respeito à competência do setor público na gestão de recursos. A evidência aponta no sentido do governo brasileiro ser altamente ineficiente na alocação de suas receitas. Assim, a possibilidade do setor privado ser capaz de direcionar – para investimentos na capacidade produtiva ou para outro fim qualquer – de forma muito mais sábia recursos hoje gerenciados por burocratas e políticos é altamente plausível.

Há uma segunda falácia nos argumentos dos advogados da TJLP. Fosse o governo brasileiro eficiente, o que justificaria a opção de alocar a receita governamental para subsidiar empresários? Nada, ou melhor, decisões políticas e o desconhecimento por parte dos formuladores das ações governamentais da forma como funciona o sistema econômico.

Inexiste qualquer critério técnico capaz de provar que é mais interessante para o Brasil subsidiar empresários ao invés de aumentar seus investimentos em educação. A experiência internacional mostra exatamente o contrário. Os episódios de crescimento sustentado foram acompanhados por vultosos investimentos educacionais. Logo seria muito mais proveitoso para o país direcionar os recursos públicos ao ensino.

Como se tudo isso não bastasse, ao contrário dos investimentos em educação, a TJLP é também concentradora de renda. Enquanto maiores dispêndios públicos com ensino beneficiariam expressivo contigente de pessoas carentes, os empréstimos subsidiados engordam basicamente os lucros e os salários de alguns poucos amigos do rei.

Concluindo, a opção, por parte de uma sociedade que discute se a cifra de 32 milhões de famélicos é ou não acurada, em subsidiar empresários ao invés de amparar indivíduos carentes é simplesmente inadmissível. Espera-se que a administração FHC tenha a coragem necessária para acabar com esta desastrada política pública.


Alexandre Barros da Cunha
Professor da Universidade Santa Úrsula e da PUC-Rio.