A crise mexicana e o governo FHC

Artigo publicado no jornal A Gazeta em 11 de março de 1995 (página 5).

A eclosão da crise mexicana e suas recentes repercussões na Argentina fizeram renascer na memória dos brasileiros os episódios de 1982. Naquela ocasião, a moratória da divida externa mexicana teve como conseqüência uma brutal escassez de financiamentos para toda América Latina. À moratória mexicana seguiu-se a argentina e, logo depois, a brasileira.

Tão logo se manifestou o problema mexicano, integrantes da equipe econômica disseram à nação que permanecesse despreocupada. Segundo o governo brasileiro, a situação do país seria totalmente distinta da mexicana. O Plano Real continuaria a voar no límpido céu de brigadeiro no qual viajava desde julho último.

Apesar de ainda não ser possível precisar os impactos do episódio mexicano sobre o Brasil, já se sabe que a realidade não é tão bela como os tripulantes do Plano Real a descreveram. Tanto que o governo foi obrigado a alterar política cambial.

De fato, as economias mexicana e brasileira são bastante distintas. Contudo, existe ao menos um ponto em comum entre elas: o fluxo de capital internacional que agora ingressa em cada um desses países é inferior ao verificado até dezembro de 1994, podendo reduzir-se ainda mais.

A primeira conseqüência da redução do fluxo de capitais externos para o Brasil consiste na redução da oferta de dólares no mercado de câmbio. Em decorrência, haverá uma desvalorização do real. Enquanto não se alcançar a igualdade entre oferta e demanda de dólares, a moeda nacional continuará se desvalorizando. A queda do real frente ao dólar será tão maior quanto maior for a redução do ingresso de capital internacional no país.

A venda de dólares por parte do governo no mercado cambial objetivando sustentar o valor da moeda nacional apenas postergou sua inevitável depreciação. Vale observar que a redução de US$ 3 bilhões nas reservas internacionais em dezembro, divulgada há poucos dias pelo Banco Central, evidencia ter sido, ao menos em algum momento, essa a opção governamental. Caso se insista em evitar a desvalorização do real, o país necessariamente enfrentará uma crise semelhante à mexicana.

A desvalorização do real implicará os bens importados se tornarem mais caros. Em seguida, os preços dos bens produzidos internamente com a utilização de insumos importados também crescerão. Não é difícil concluir que um efeito da crise mexicana será a elevação do nível geral de preços no Brasil. Essa elevação será tão maior quanto maior for valorização do dólar frente ao real necessária para equilibrar os fluxos cambiais com o exterior.

A majoração dos preços fará com que todos se sintam mais pobres. E a história brasileira – e de muitos outros países – evidencia que o grau de apoio popular e político obtido por qualquer governo tem relação direta com o desempenho da economia. Crescimento e preços estáveis silenciam a oposição. Inflação e recessão podem em casos extremos determinar a ocorrência de golpes.

Em síntese, caso o fluxo de capitais internacionais para o país não retorne aos padrões anteriores (o que dificilmente se verificará), o real se desvalorizará frente ao dólar. Essa depreciação cambial empobrecerá o país, reduzindo o apoio à administração FHC. Em uma situação limite, as reformas necessárias ao sucesso definitivo do Plano Real e à retomada do desenvolvimento econômico e social poderão ser inviabilizadas, fazendo com que o Brasil mergulhe em mais um ciclo de inflação e estagnação.


Alexandre Barros da Cunha
Professor da Universidade Santa Úrsula e da PUC-Rio.